História da LAI
Além da Constituição Federal de 1988, a Lei Geral de Arquivos Públicos, publicada em 1991, também já previa o livre acesso a documentos guardados pelo governo, mas não estava estabelecido como seria o procedimento para que o cidadão pudesse exercer esse direito, o que, na prática, inviabilizava o efetivo acesso a dados públicos. Por isso, a Lei de Acesso à Informação (LAI), que foi publicada em 18 de novembro de 2011 e passou a valer em 16 de maio de 2012, é um marco para a transparência pública e o controle social no Brasil.
Pressão social
Em 2003, quando foi realizado o 1º Seminário Internacional sobre Direito de Acesso a Informações Públicas, a urgência de se regulamentar o direito de acesso a informações públicas no Brasil ganhou destaque em debates políticos e na imprensa brasileira[1]. A partir do evento, foi criado o Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas[2], que reúne 24 entidades da sociedade civil e atualmente é coordenado pela Transparência Brasil.
A Controladoria-Geral da União (CGU) situa em 2005 o início das discussões sobre a LAI no Conselho de Transparência do governo federal. Em 2006, a CGU apresentou o primeiro anteprojeto sobre acesso à informação ao Conselho de Transparência[3]. Após o 2° Seminário Internacional sobre Direito de Acesso a Informações Públicas, em 2009, a Casa Civil da Presidência da República enviou à Câmara dos Deputados o PL 5228/2009[4], que deu início ao processo legislativo para a aprovação da Lei de Acesso à Informação.
Em 2010, o Brasil sofreu uma condenação da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso da Guerrilha do Araguaia[5], o que acabou servindo como impulso adicional para a discussão de uma regulamentação do acesso à informação no país. No caso Araguaia, a Corte entendeu que o governo brasileiro violava o direito a conhecer a verdade sobre o ocorrido na chamada Guerrilha do Araguaia, quando dezenas de militantes do Partido Comunista do Brasil (PC do B) foram mortos em operações militares clandestinas durante a ditadura militar.
"Com a Lei de Anistia em vigor no Brasil em 1979, os familiares destes mortos/desaparecidos, aguardaram por seus retornos. Como isto não ocorreu (por óbvio, pois estavam todos mortos), a partir de 1980, eles começaram a procurar por seus entes queridos e descobriram que a grande maioria deles havia desaparecido (sido morta) naquela região do Araguaia. Seus corpos jamais foram localizados", recupera o pesquisador Marcos José Pinto em artigo para a Revista Jus[6].
Avanços e retrocessos
Em 2011, o Senado Federal[7] aprovou o projeto da Lei de Acesso à Informação e o encaminhou para a sanção presidencial. A LAI foi sancionada em novembro de 2011 e passou a vigorar em maio de 2012. Quase uma década após a implementação da LAI, os desafios da transparência pública no Brasil ainda são muitos - e tem se intensificado. Em 2019, o então vice-presidente Hamilton Mourão tentou mudar essa norma por meio de um decreto[8], mas voltou atrás após manifestações da sociedade civil alertando para o risco de deturpar a classificação de documentos prevista na LAI[9].
Em março de 2020, em meio à crise sanitária provocada pela pandemia da Covid-19, o governo federal editou uma Medida Provisória (MP) que suspendia prazos estabelecidos na LAI para responder pedidos de informação[10]. A medida foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) dias depois, após pressão de parlamentares e organizações da sociedade civil[11].
Mesmo no que se refere às obrigações de transparência ativa, ou seja, itens de divulgação obrigatória sem necessidade de demanda por parte de cidadãos, diversos relatórios têm apontado falhas. O Índice de Transparência da Covid-19, promovido pela Open Knowledge Brasil, por exemplo, revelou como eram insatisfatórios dados de monitoramento da pandemia do novo coronavírus oferecidos por Estados, capitais e pelo governo federal[12]. Uma nota técnica assinada por 11 organizações do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, em dezembro de 2020, também enumerou uma série de problemas[13]. O mesmo se repetiu em dados socioambientais[14] e da Funai[15] em relatórios produzidos pelo projeto Achados e Pedidos.
O próprio governo, através de seus órgãos de controle interno, reconhece limitações no cumprimento da norma, como mostra o Painel da LAI mantido pela CGU[16], com dados sobre a quantidade de pedidos recebidos, respondidos e ignorados por cada órgão, prazos médios de resposta nas unidades e outras informações sobre o cumprimento das obrigações de transparência ativa e passiva. Já a Escala Brasil Transparente[17], também mantida pela CGU, apresenta rankings de Estados e municípios (capitais e outras cidades selecionadas por meio de sorteio eletrônico).
Ainda, há o desafio da popularização das ferramentas de transparência entre os cidadãos, o que é um dos propósitos da WikiLAI. Mesmo jornalistas, que pela natureza de seu ofício são profissionais interessados em obter dados públicos para reportagens, pouco utilizam esse recurso, como mostra pesquisa da Abraji: quase metade dos profissionais que responderam a pesquisa nunca fez um pedido de informação[18].
10 anos da LAI
Paineis e debates
Em 18 de novembro de 2021, quando a publicação da LAI completou 10 anos, a Fiquem Sabendo promoveu o lançamento da WikiLAI, projeto que conta com financiamento da Embaixada e Consulados dos EUA no Brasil e tem como propósito reunir em um portal acessível todas as informações necessárias para os cidadãos brasileiros fazerem valer seu direito de acesso à informação. O lançamento foi marcado por um debate sobre os 10 anos da LAI[19]. Mediado pela cofundadora e diretora da Fiquem Sabendo, Maria Vitória Ramos, o painel[20] trouxe o relato dos bastidores da aprovação da LAI, com a participação de Fernando Rodrigues, fundador e diretor do jornal digital Poder360. Também apresentou um paralelo com a Freedom of Information Act (FOIA), a lei de acesso dos Estados Unidos, que existe desde 1966, contando com a experiência de Michael Morisy, fundador e diretor do MuckRock, site de notícias colaborativo e sem fins lucrativos que já acumulou mais de 100 mil pedidos de informação ao governo americano. E ainda, Samira Bueno, diretora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, falou sobre os desafios do acesso a dados públicos sobre segurança pública antes e depois da LAI, pontuando reocupações atuais com retrocessos, principalmente na adaptação para a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
Em 28 de abril de 2022, o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas participou de um painel no Insper[21], promovido em parceria com a Fiquem Sabendo, para discutir o impacto da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no acesso à informação[22].
No dia 16 de maio de 2022, data exata em que a LAI completou 10 anos em vigor, foi a vez da Universidade de São Paulo (USP) receber um painel promovido pelo Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA-USP, com apoio dos Programas de Pós-graduação em Ciências da Comunicação da USP e da UFMT, em parceria com a Fiquem Sabendo e apoio da Embaixada e Consulados dos EUA no Brasil, dentro do projeto WikiLAI[23]. O jornalista investigativo americano Jason Leopold, conhecido como "terrorista da FOIA"[24], debateu com a diretora da FS Maria Vitória Ramos sobre as relações entre LAI e FOIA.
Na Câmara dos Deputados, uma audiência pública convocada pela Comissão de Legislação Participativa e liderada pelo autor da Lei de Acesso à Informação, Reginaldo Lopes (PT-MG), homenageou os 10 anos da LAI, com a participação de parlamentares e pesquisadores no dia 18 de novembro[25].
Ao longo do mês de maio, o Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas realizou lives alusivas aos 10 anos da LAI com diversos especialistas no painel 10 anos da LAI: impacto, desafios e oportunidades[26].
Reportagens e artigos
A repercussão do debate de lançamento da WikiLAI desencadeou uma série de publicações alusivas aos 10 anos da sanção da Lei de Acesso à Informação no Brasil em novembro de 2021. O jornal digital Poder360[27] lembrou que o texto da LAI tramitou durante oito anos no Congresso Nacional até ser aprovado. "Tinha uma oposição oculta, que não prezava pela transparência e não queria um projeto desses", disse à reportagem do Poder360 o deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG), que apresentou projeto sobre prestação de informações públicas em 2003.
Em reportagem para a para a revista piauí[28], a Fiquem Sabendo apresentou um balanço da LAI. Pelos registros da CGU, de 16 de maio de 2012, quando a LAI entrou em vigor, até 16 de maio de 2021, quando a lei completou nove anos, o governo federal tinha recebido cerca de 1 milhão de pedidos feitos por 456,7 mil brasileiros, o que representa uma média de 2,2 pedidos por cidadão que usou o sistema. O dado, no entanto, reflete que apenas 0,2% da população brasileira já utilizou alguma vez o serviço de informação ao cidadão do governo federal em quase uma década. Ainda, dos 353,5 mil cidadãos que informaram escolaridade ao se cadastrarem no FalaBR, 139 mil têm ensino superior (39%), 63,6 mil têm pós-graduação (18%) e 31,6 mil têm mestrado ou doutorado (9%), conforme apurou a reportagem. Na população em geral, apenas 17,4% dos brasileiros com 25 anos ou mais têm diploma universitário, segundo o IBGE[29]. O balanço mostrou ainda que um terço das obrigações de transparência ativa é descumprido pelo governo federal, sendo o Ministério da Saúde a pasta que menos cumpre, atendendo apenas 10 de 49 itens exigidos, segundo a CGU[30].
Em maio de 2022, quando a LAI completou 10 anos em vigor, a Folha de S. Paulo publicou artigo assinado pelos pesquisadores Gregory Michener e Francisco Gaetani[31] apontando que o atendimento à LAI foi internalizado nas rotinas dos órgãos públicos. Já a reportagem do Nexo levanta o paradoxo entre os sistemas de vanguarda para o acesso à informação e os retrocessos em políticas de transparência no Brasil[32]. Os pesquisadores Fabiano Angélico e Taís Seibt também escreveram para o Desinformante[33] sobre os desafios do combate à desinformação diante da opacidade de dados públicos.
Levantamentos e análises
Um balanço publicado pela Transparência Brasil[34] no marco de 10 anos da sanção da LAI, em novembro de 2021, mostrou que, em 2019 e 2020, as respostas negativas do governo federal a pedidos de informação chegaram ao segundo maior nível histórico. "Nesses dois anos, a taxa ficou em 9%, igual à registrada em 2012 e abaixo apenas dos 12% registrados em 2013 e 2014", aponta o levantamento[35].
O governo federal também apresentou um balanço do atendimento à LAI[36], em maio de 2022, quando a norma completou 10 anos em vigor: as demandas por informações tiveram um crescimento anual de 35% entre 2013 e 2021 e boa parte dos pedidos recebe uma resposta em 11 dias, quase a metade do prazo legal.
A Fiquem Sabendo, em parceria com o Insper, apoio do Núcleo de Transparência da FGV e financiamento da Fundação Heinrich Böll, publicou o relatório Impactos da LGPD nos pedidos de LAI ao governo federal[37], em abril de 2022, no qual é analisado o impacto da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) na Lei de Acesso à Informação (LAI). Foram levantados todos os pedidos de acesso à informação que mencionavam a LGPD na base da Controladoria-Geral da União (CGU), que contém todas as solicitações feitas ao governo federal desde 2016. A partir de uma amostra, os pesquisadores analisaram o teor de cada solicitação e o uso da lei de proteção de dados nas respostas. "A cada quatro solicitações analisadas na amostra, que usam a LGPD como argumento, uma tem indícios de estar em desacordo com a legislação", segundo o relatório[38].
O e-book 10 anos da Lei de Acesso à Informação: limites, perspectivas e desafios[39], realizado em parceria pelas organizações de pesquisa Intercom e Compolítica, reúne artigos e entrevistas de mais de 80 autores de instituições de ensino e pesquisa do Brasil e do Exterior sobre a Lei de Acesso à Informação. Organizada pela professora da Universidade de Brasília (UnB) Elen Geraldes, ao lado de outros 14 organizadores de diversas universidades e associações de pesquisa, a obra apresenta resultados e análises do uso da LAI na sua primeira década em vigor, além de apontar possibilidades de revisão e aperfeiçoamento da legislação.
Também o Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas lançou um e-book chamado “A LAI é 10: o Brasil após uma década da Lei de Acesso à Informação”[40], com dez ensaios, produzidos por organizações que integram o Fórum, sobre o impacto da LAI em diferentes campos de atuação, como saúde, educação, meio ambiente, jornalismo e tecnologia.
Veja também
Referências externas
- ↑ https://www.abraji.org.br/noticias/pesquisa-aponta-alto-indice-de-jornalistas-que-nunca-fizeram-pedidos-de-acesso-a-informacao
- ↑ https://informacaopublica.org.br/
- ↑ https://www.gov.br/acessoainformacao/pt-br/assuntos/conheca-seu-direito/historico-da-lai
- ↑ https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=434566
- ↑ https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_por.pdf
- ↑ https://jus.com.br/artigos/21291/a-condenacao-do-brasil-no-caso-da-guerrilha-do-araguaia-pela-corte-interamericana-de-direitos-humanos
- ↑ https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/96674
- ↑ https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/60344275
- ↑ https://artigo19.org/2019/01/24/decreto-que-amplia-cargos-que-podem-atribuir-sigilo-ultrasessecreto-a-informacao-publica-e-preocupante-e-contraria-a-lai/
- ↑ https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/03/24/medida-provisoria-suspende-prazos-de-respostas-via-lei-de-acesso-a-informacao
- ↑ https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/04/30/stf-confirma-decisao-que-impede-restricoes-na-lei-de-acesso-a-informacao
- ↑ https://www.ok.org.br/noticia/indice-de-transparencia-da-covid-19-mobilizou-sociedade-por-abertura-de-dados-em-2020-veja-balanco/
- ↑ https://fiquemsabendo.com.br/saude/retrocesso-transparencia-ministerio-saude/
- ↑ https://www.achadosepedidos.org.br/uploads/publicacoes/Imperio_da_Opacidade_Socioambiental.pdf
- ↑ https://fiquemsabendo.com.br/meio-ambiente/controle-social-funai/
- ↑ http://paineis.cgu.gov.br/lai/index.htm
- ↑ https://www.gov.br/cgu/pt-br/assuntos/transparencia-publica/escala-brasil-transparente
- ↑ https://www.abraji.org.br/noticias/pesquisa-aponta-alto-indice-de-jornalistas-que-nunca-fizeram-pedidos-de-acesso-a-informacao
- ↑ https://fiquemsabendo.com.br/transparencia/lancamento-wikilai-10-anos-lai/
- ↑ https://www.youtube.com/watch?v=DVJFNxZn9jo
- ↑ https://www.insper.edu.br/agenda-de-eventos/transparencia-publica-vs-privacidade/
- ↑ https://www.youtube.com/watch?v=NGEcWjvPs0A
- ↑ https://fiquemsabendo.com.br/transparencia/10anoslai-usp/
- ↑ https://fiquemsabendo.com.br/transparencia/jason-leopold-foia-lai/
- ↑ https://www.camara.leg.br/evento-legislativo/65221
- ↑ https://eventos.congresse.me/10anosdalai
- ↑ https://www.poder360.com.br/brasil/lei-de-acesso-a-informacao-completa-10-anos-saiba-como-foi-criada/
- ↑ https://dev2-piaui.folha.uol.com.br/pandemia-sem-transparencia/
- ↑ https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/18317-educacao.html
- ↑ http://paineis.cgu.gov.br/lai/index.htm
- ↑ https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/05/lei-de-acesso-a-informacao-faz-10-anos-cria-raizes-e-tem-arcabouco-sob-ataque.shtml
- ↑ https://www.nexojornal.com.br/expresso/2022/05/14/Lei-de-Acesso-10-anos-uma-ampla-estrutura-ainda-mal-utilizada
- ↑ https://desinformante.com.br/avancos-e-desafios-nos-10-anos-da-lei-de-acesso-a-informacao/
- ↑ https://blog.transparencia.org.br/dados-mostram-fragilidade-da-aplicacao-da-lai-no-governo-federal-10-anos-apos-a-sancao-da-regra/
- ↑ https://click.mlsend.com/link/c/YT0xODI1NDEyODY5MzY2MjI0MzA1JmM9dzdrMCZlPTg0MjMyMzU3JmI9ODA1MDU3Nzg0JmQ9eDd5MnE0cg==.h1fMfKVkc6HMU8xu56v-AgNt2iD_wCtpWwjd4JwTt6s
- ↑ https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/lei-de-acesso-a-informacao-completa-10-anos-de-vigencia-com-reducao-no-tempo-de-resposta-aos-cidadaos-1
- ↑ https://fiquemsabendo.com.br/transparencia/relatorio-lai-lgp/
- ↑ https://drive.google.com/file/d/1LfYUOiNVyxC1LAL3U_fGwWSCNL7t16ap/view
- ↑ https://10anoslai.com/release/
- ↑ https://abraji-bucket-001.s3.sa-east-1.amazonaws.com/uploads/ckeditor/attachment_file/data/545/A_LAI_e_10_ebook.pdf
Encontrou um erro ou sentiu falta de uma alguma informação neste verbete? Escreva para [email protected]