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A [[Texto da LAI|Lei de Acesso à Informação (LAI)]] não permite “sigilo eterno” de documentos públicos. [[Documentos secretos]] precisam ser classificados por nível de [[sigilo]], devendo respeitar tempos pré-determinados de cinco até no máximo 25 anos, e somente algumas autoridades do alto escalão do governo podem classificar um documento. Quando vence o prazo de sigilo, os documentos passam a ser desclassificados, ou seja, podem ser acessados por qualquer cidadão com base na LAI.  
 
A [[Texto da LAI|Lei de Acesso à Informação (LAI)]] não permite “sigilo eterno” de documentos públicos. [[Documentos secretos]] precisam ser classificados por nível de [[sigilo]], devendo respeitar tempos pré-determinados de cinco até no máximo 25 anos, e somente algumas autoridades do alto escalão do governo podem classificar um documento. Quando vence o prazo de sigilo, os documentos passam a ser desclassificados, ou seja, podem ser acessados por qualquer cidadão com base na LAI.  
  
Essa previsão legal foi fundamental para o trabalho do historiador Paulo Cesar Gomes, historiador e autor do livro “Liberdade vigiada: as relações entre a ditadura militar brasileira e o governo francês – do golpe à anistia”<ref>https://www.amazon.com.br/Liberdade-vigiada-rela%C3%A7%C3%B5es-ditadura-brasileira/dp/8501114642</ref>. Em entrevista à agência [[Fiquem Sabendo]], em 2019, ele contou que a LAI mudou o trabalho de pesquisadores e historiadores<ref>https://fiquemsabendo.com.br/transparencia/historiador-lei-de-acesso/</ref>, pois busca implantar o livre acesso, em detrimento da cultura do sigilo, porém o pesquisador aponta dificuldades de acesso a dados das Forças Armadas, apesar da LAI.
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Essa previsão legal foi fundamental para o trabalho do historiador Paulo Cesar Gomes, historiador e autor do livro “Liberdade vigiada: as relações entre a ditadura militar brasileira e o governo francês – do golpe à anistia”<ref>Liberdade vigiada: As relações entre a ditadura militar brasileira e o governo francês: Do golpe à anistia (Paulo César Gomes, 2019) - https://www.amazon.com.br/Liberdade-vigiada-rela%C3%A7%C3%B5es-ditadura-brasileira/dp/8501114642</ref>. Em entrevista à agência [[Fiquem Sabendo|'''Fiquem Sabendo''']], em 2019, ele contou que a LAI mudou o trabalho de pesquisadores e historiadores<ref>Para historiador, LAI muda a relação da sociedade com tudo o que é público (Fiquem Sabendo, 2019) - https://fiquemsabendo.com.br/transparencia/historiador-lei-de-acesso/</ref>, pois busca implantar o livre acesso, em detrimento da cultura do sigilo. Em casos recentes, [[Pedido de informação|pedidos de informação]] feitos por pesquisadores ajudaram a revelar episódios históricos, como crimes cometidos na Ditadura Militar.  
  
A pesquisadora Karina Furtado Rodrigues, em tese de doutorado defendida em 2017<ref>http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/18848/Karina%20Rodrigues%20-%20Dissertation.pdf?sequence=1&isAllowed=y</ref>, registrou que militares foram resistentes a incluir na LAI um limite de tempo para manter um documento em segredo e discordavam da divulgação automática de documentos desclassificados. Em pesquisa de mestrado concluída em 2021, o jornalista Luiz Fernando Toledo mostrou que, na prática, os militares continuam mantendo seus atos sob sigilo, buscando todo tipo de brechas legais para driblar a LAI. Por exemplo, [[trabalho adicional]], pela necessidade de ter que analisar cada documento para tarjar eventuais informações sensíveis ou que possam colocar a segurança nacional em risco. A recomendação dada ao pesquisador é fazer pedidos de acesso a no máximo 15 documentos em cada demanda.  
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== Herança militar ==
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Apesar da vigência da LAI, especialistas ainda apontam dificuldades de acesso a dados das Forças Armadas. A pesquisadora Karina Furtado Rodrigues, em tese de doutorado defendida em 2017<ref>Democratic Transparency Pacts on Defense: Assessing change in civilian access to military information in Brazil and Mexico (FGV, 2017) - http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/18848/Karina%20Rodrigues%20-%20Dissertation.pdf?sequence=1&isAllowed=y</ref>, registrou que militares foram resistentes a incluir na LAI um limite de tempo para manter um documento em segredo e discordavam da divulgação automática de documentos desclassificados. Em pesquisa de mestrado concluída em 2021, o jornalista Luiz Fernando Toledo mostrou que, na prática, os militares continuam mantendo seus atos sob sigilo, buscando todo tipo de brechas legais para driblar a LAI. Por exemplo, [[trabalho adicional]], pela necessidade de ter que analisar cada documento para tarjar eventuais informações sensíveis ou que possam colocar a segurança nacional em risco.  
  
''“Cada pedido de informação registrado por meio da LAI à Marinha leva, em média, 21 dias para ser respondido, segundo a CGU. Só a Marinha desclassificou, entre 2013 e 2020, 69.315 mil documentos. Para ter acesso a todos eles, seriam necessários 4.621 pedidos de informação divididos em quinze documentos por vez. Se a média de 21 dias por pedido fosse seguida, seriam necessários 97.041 dias, ou 265 anos. Isso sem falar dos outros documentos que seriam desclassificados nesses dois séculos e meio”'', exemplificou o jornalista em coluna da Piauí sobre a pesquisa<ref>https://piaui.folha.uol.com.br/transparencia-tarja-preta/#</ref>.  
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A recomendação dada ao pesquisador é fazer pedidos de acesso a no máximo 15 documentos em cada demanda. ''“Cada pedido de informação registrado por meio da LAI à Marinha leva, em média, 21 dias para ser respondido, segundo a CGU. Só a Marinha desclassificou, entre 2013 e 2020, 69.315 mil documentos. Para ter acesso a todos eles, seriam necessários 4.621 pedidos de informação divididos em quinze documentos por vez. Se a média de 21 dias por pedido fosse seguida, seriam necessários 97.041 dias, ou 265 anos. Isso sem falar dos outros documentos que seriam desclassificados nesses dois séculos e meio”'', exemplificou o jornalista em coluna da Piauí sobre a pesquisa<ref>Transparência tarja preta (piaui, 2021) - https://piaui.folha.uol.com.br/transparencia-tarja-preta/#</ref>.
  
Antes, no projeto Sem Sigilo<ref>https://fiquemsabendo.com.br/transparencia/projeto-sem-sigilo/</ref>, da Fiquem Sabendo, Luiz Fernando Toledo junto com a jornalista Maria Vitória Ramos e voluntários em vários estados brasileiros, já haviam revelado que mais de 300 documentos considerados públicos tiveram acesso negado<ref>https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2019/06/04/governo-sigilo-documentos-liberados-publico-transparencia.htm</ref>. O projeto continua buscando abrir todos os documentos desclassificados do governo federal, com ajuda de voluntários. Somente em 2020, havia mais de 100 mil documentos sob sigilo no governo federal, com foco nas Forças Armadas, especialmente na Marinha<ref>https://fiquemsabendo.com.br/transparencia/sigilo-documentos-sigilosos-dos-governos/</ref>.  
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== Casos concretos ==
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No projeto '''Sem Sigilo'''<ref>Sem Sigilo (Fiquem Sabendo) - https://fiquemsabendo.com.br/transparencia/projeto-sem-sigilo/</ref>, da '''[[Fiquem Sabendo]]''', Luiz Fernando Toledo junto com a jornalista Maria Vitória Ramos e voluntários em vários estados brasileiros, já haviam revelado que mais de 300 documentos considerados públicos tiveram acesso negado<ref>Órgãos federais negam acesso a 323 documentos considerados públicos (UOL, 2019) - https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2019/06/04/governo-sigilo-documentos-liberados-publico-transparencia.htm</ref>. O projeto continua buscando abrir todos os documentos desclassificados do governo federal, com ajuda de voluntários. Somente em 2020, havia mais de 100 mil documentos sob sigilo no governo federal, com foco nas Forças Armadas, especialmente na Marinha<ref>Sigilo na LAI: onde e como obter documentos secretos (Fiquem Sabendo, 2020) - https://fiquemsabendo.com.br/transparencia/sigilo-documentos-sigilosos-dos-governos/</ref>.  
  
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Em parceria<ref>FS anuncia parceria com MuckRock, organização especializada na Lei de Acesso à Informação americana (Fiquem Sabendo, 2019) - https://fiquemsabendo.com.br/transparencia/parceria-muckrock/</ref> com a organização [[Michael Morisy|Muckrock]], que é especializada em acessar [[:Categoria:Acesso à informação nos EUA|dados públicos nos Estados Unidos]], a FS também revelou, em 2019, documentos do governo americano que narram episódios como a conversa entre Pelé e um presidente americano<ref>A CIA e o Pelé: parceria FS e MuckRock (Fiquem Sabendo, 2019) - https://fiquemsabendo.com.br/transparencia/pele-e-a-cia/</ref>, e um memorando da CIA, a agência de inteligência dos EUA, sobre a relação Igreja e Estado no Brasil durante a Ditadura Militar<ref>Memorando inédito da CIA: a Ditadura e a Igreja no regime Médici (Fiquem Sabendo, 2019) - https://fiquemsabendo.com.br/transparencia/documento-cia-ditadura-e-igreja/</ref>.
  
'''Verbetes relacionados'''
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Em 2021, a FS fechou parceria com o '''Instituto Vladimir Herzog''' (IVH)<ref>https://vladimirherzog.org/</ref> para acessar dados e documentos históricos no Brasil. ''"A parceria irá fortalecer a missão do IVH na luta por memória, verdade e justiça no país, uma vez que as informações levantadas poderão embasar as ações institucionais voltadas para: a responsabilização do Estado brasileiro frente a crimes cometidos durante a ditadura civil-militar; a busca por responsáveis pelas violações de direitos humanos em outros períodos; a cobrança pelo aprimoramento e a proposição de bons caminhos para políticas públicas do sistema de perícia criminal; em suma, para a garantia das recomendações da Comissão Nacional da Verdade por meio do Núcleo Monitora CNV''<ref>https://memoriasdaditadura.org.br/nucleo-monitora-cnv/</ref>''"''.
  
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Um dos documentos divulgados por meio da parceria foi o inquérito completo de Jair Bolsonaro no Superior Tribunal Militar (STM)<ref>https://drive.google.com/drive/folders/1ofcvq8ZbxwY5b0zlvDsm_i5TOT68Qk0i?usp=sharing</ref>. Os documentos foram revelados inicialmente no livro ''"O cadete e o capitão: A vida de Jair Bolsonaro no quartel"''<ref>O Cadete e o Capitão é leitura obrigatória para decifrar o Mito, diz Mario Rosa (Poder 360, 2019) - https://www.poder360.com.br/opiniao/o-cadete-e-o-capitao-e-leitura-obrigatoria-para-decifrar-o-mito-diz-mario-rosa/</ref>, do jornalista Luiz Maklouf Carvalho. 
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Em 2023, o Tribunal de Contas da União aceitou denúncia da FS, feita em parceria com o advogado e professor da Universidade Federal de Rondônia, Vinicius Valentin Raduan Miguel, e determinou que o Ministério dos Direitos Humanos localize e publique documentos produzidos pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos entre 1965 a 1992. Durante o governo Bolsonaro, o Ministério da Justiça e Segurança Pública e o antigo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos disseram não saber onde estavam os documentos<ref>Denúncia documentos Conselho Nacional de Direitos Humanos (Fiquem Sabendo, 2023) - https://www.linkedin.com/posts/agenciafiquemsabendo_o-tcu-aceitou-a-nossa-den%C3%BAncia-e-determinou-activity-7072542783638560768-PCiS/?utm_source=share&utm_medium=member_android</ref>. 
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=== Crime do século ===
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[[Ficheiro:PrintdocSTM.png|miniaturadaimagem|''Processo revela detalhes sobre tortura praticada por oito militares do Exército e dois civis contra 15 soldados durante a ditadura militar no Brasil (Fonte: Reprodução/[https://fiquemsabendo.com.br/transparencia/exclusivo-abrimos-o-processo-dos-militares-condenados-por-tortura-durante-a-ditadura/ Fiquem Sabendo])'']]
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A '''Fiquem Sabendo''' e o '''Instituto Vladimir Herzog (IVH)''' obtiveram com exclusividade a íntegra do processo militar que narra uma série de crimes cometidos por oito militares do Exército e dois civis contra 15 soldados, conforme divulgado em edição especial da newsletter '''[[Don't LAI to me]]''', em outubro de 2022<ref name=":0">EXCLUSIVO: Abrimos o processo dos militares condenados por tortura durante a ditadura - Don't LAI to Me (Fiquem Sabendo, 2022) - https://fiquemsabendo.substack.com/p/exclusivo-abrimos-o-processo-dos</ref>. Os fatos aconteceram no quartel do 1° BIB, em Barra Mansa (RJ), no início dos anos 1970. A newsletter divulgou a íntegra do processo<ref>https://www.documentcloud.org/projects/ditadura-files-210010/</ref>, com detalhes da sessões de tortura, documento que permaneceu inacessível por 50 anos. A primeira investigação do documento resultou na reportagem “'''O crime do século'''”, publicada pela revista piauí<ref>O crime do século (piauí, 2022) - https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-crime-do-seculo/</ref>. Segundo a cientista política Glenda Mezarobba, autora da reportagem e conselheira do instituto, ''"até onde se tem conhecimento, o processo n° 17/72 constitui o '''único caso em que militares foram condenados em última instância por graves violações de direitos humanos ocorridas durante os 21 anos de arbítrio no Brasil"'''''<ref name=":0" />. 
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''"O inquérito relata que militares torturaram 15 soldados com palmatórias, canos, prensa e choques elétricos, entre outros instrumentos de suplício. O pretexto para a tortura foi uma investigação sobre o uso e tráfico de drogas (maconha) dentro no quartel. Os militares foram acusados dos seguintes crimes: homicídio qualificado, lesão grave, dano, inutilização e sonegação de material probante, ofensa aviltante a inferior e abandono de pessoa. As graves violações de direitos humanos foram perpetradas em dependências das Forças Armadas contra jovens de 19 anos, em sua maioria, e resultaram na morte de quatro deles"''<ref name=":0" />. 
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O processo revelado pelas organizações tem cerca de 2,3 mil páginas distribuídas em cinco volumes, com relatos de sobreviventes, testemunhas e dos próprios acusados sobre os crimes cometidos. O processo se tornou público graças a requerimento protocolado pelo diretor de advocacy e cofundador da '''[[Fiquem Sabendo]]''' Bruno Morassuti. ''"O fornecimento dos documentos dos processos judiciais pelo STM sem qualquer tipo de restrição nessas informações representa um exemplo importante para fins de transparência do Poder Judiciário e mostra interesse em cumprir a LAI mesmo com informações que poderiam ser consideradas sensíveis"'', comentou o advogado<ref name=":0" />. A cofundadora e diretora-executiva da FS Maria Vitória Ramos destacou a cooperação entre as duas organizações para a abertura das informações: ''“O IVH sabe o que é importante buscar e nós podemos contribuir encurtando o caminho do acesso a informações públicas"''<ref name=":0" />.
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== Veja também ==
 
* [[Documentos secretos]]
 
* [[Documentos secretos]]
 
* [[Sigilo]]
 
* [[Sigilo]]
 
* [[Trabalho adicional]]
 
* [[Trabalho adicional]]
  
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== Referências externas ==
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[[Categoria:O que e como acessar]]
  
'''Referências externas'''
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'''<big>Encontrou um erro ou sentiu falta de uma alguma informação neste verbete? Escreva para [mailto:[email protected] [email protected]]</big>'''
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[[Ficheiro:Credito fiquem sabendo.png|esquerda|alt=|Usamos a licença “Atribuição 4.0 Internacional (CC BY 4.0)", que permite a republicação/adaptação, inclusive para fins comerciais, desde que seja citado o crédito para a WikiLAI, com link para a publicação original. Saiba mais em '''[[WikiLAI:Sobre]]'''|800x800px|miniaturadaimagem]]
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[[Ficheiro:PIX fiquem sabendo.png|esquerda|miniaturadaimagem|Apoie a Fiquem Sabendo em '''[https://www.catarse.me/fiquemsabendo catarse.me/fiquemsabendo]''' e receba recompensas, ou faça um PIX para 32.344.117/0001-89 (CNPJ)|alt=|800x800px]]

Edição atual desde as 12h08min de 19 de fevereiro de 2024

A Lei de Acesso à Informação (LAI) não permite “sigilo eterno” de documentos públicos. Documentos secretos precisam ser classificados por nível de sigilo, devendo respeitar tempos pré-determinados de cinco até no máximo 25 anos, e somente algumas autoridades do alto escalão do governo podem classificar um documento. Quando vence o prazo de sigilo, os documentos passam a ser desclassificados, ou seja, podem ser acessados por qualquer cidadão com base na LAI.

Essa previsão legal foi fundamental para o trabalho do historiador Paulo Cesar Gomes, historiador e autor do livro “Liberdade vigiada: as relações entre a ditadura militar brasileira e o governo francês – do golpe à anistia”[1]. Em entrevista à agência Fiquem Sabendo, em 2019, ele contou que a LAI mudou o trabalho de pesquisadores e historiadores[2], pois busca implantar o livre acesso, em detrimento da cultura do sigilo. Em casos recentes, pedidos de informação feitos por pesquisadores ajudaram a revelar episódios históricos, como crimes cometidos na Ditadura Militar.

Herança militar

Apesar da vigência da LAI, especialistas ainda apontam dificuldades de acesso a dados das Forças Armadas. A pesquisadora Karina Furtado Rodrigues, em tese de doutorado defendida em 2017[3], registrou que militares foram resistentes a incluir na LAI um limite de tempo para manter um documento em segredo e discordavam da divulgação automática de documentos desclassificados. Em pesquisa de mestrado concluída em 2021, o jornalista Luiz Fernando Toledo mostrou que, na prática, os militares continuam mantendo seus atos sob sigilo, buscando todo tipo de brechas legais para driblar a LAI. Por exemplo, trabalho adicional, pela necessidade de ter que analisar cada documento para tarjar eventuais informações sensíveis ou que possam colocar a segurança nacional em risco.

A recomendação dada ao pesquisador é fazer pedidos de acesso a no máximo 15 documentos em cada demanda. “Cada pedido de informação registrado por meio da LAI à Marinha leva, em média, 21 dias para ser respondido, segundo a CGU. Só a Marinha desclassificou, entre 2013 e 2020, 69.315 mil documentos. Para ter acesso a todos eles, seriam necessários 4.621 pedidos de informação divididos em quinze documentos por vez. Se a média de 21 dias por pedido fosse seguida, seriam necessários 97.041 dias, ou 265 anos. Isso sem falar dos outros documentos que seriam desclassificados nesses dois séculos e meio”, exemplificou o jornalista em coluna da Piauí sobre a pesquisa[4].

Casos concretos

No projeto Sem Sigilo[5], da Fiquem Sabendo, Luiz Fernando Toledo junto com a jornalista Maria Vitória Ramos e voluntários em vários estados brasileiros, já haviam revelado que mais de 300 documentos considerados públicos tiveram acesso negado[6]. O projeto continua buscando abrir todos os documentos desclassificados do governo federal, com ajuda de voluntários. Somente em 2020, havia mais de 100 mil documentos sob sigilo no governo federal, com foco nas Forças Armadas, especialmente na Marinha[7].

Em parceria[8] com a organização Muckrock, que é especializada em acessar dados públicos nos Estados Unidos, a FS também revelou, em 2019, documentos do governo americano que narram episódios como a conversa entre Pelé e um presidente americano[9], e um memorando da CIA, a agência de inteligência dos EUA, sobre a relação Igreja e Estado no Brasil durante a Ditadura Militar[10].

Em 2021, a FS fechou parceria com o Instituto Vladimir Herzog (IVH)[11] para acessar dados e documentos históricos no Brasil. "A parceria irá fortalecer a missão do IVH na luta por memória, verdade e justiça no país, uma vez que as informações levantadas poderão embasar as ações institucionais voltadas para: a responsabilização do Estado brasileiro frente a crimes cometidos durante a ditadura civil-militar; a busca por responsáveis pelas violações de direitos humanos em outros períodos; a cobrança pelo aprimoramento e a proposição de bons caminhos para políticas públicas do sistema de perícia criminal; em suma, para a garantia das recomendações da Comissão Nacional da Verdade por meio do Núcleo Monitora CNV[12]".

Um dos documentos divulgados por meio da parceria foi o inquérito completo de Jair Bolsonaro no Superior Tribunal Militar (STM)[13]. Os documentos foram revelados inicialmente no livro "O cadete e o capitão: A vida de Jair Bolsonaro no quartel"[14], do jornalista Luiz Maklouf Carvalho.

Em 2023, o Tribunal de Contas da União aceitou denúncia da FS, feita em parceria com o advogado e professor da Universidade Federal de Rondônia, Vinicius Valentin Raduan Miguel, e determinou que o Ministério dos Direitos Humanos localize e publique documentos produzidos pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos entre 1965 a 1992. Durante o governo Bolsonaro, o Ministério da Justiça e Segurança Pública e o antigo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos disseram não saber onde estavam os documentos[15].

Crime do século

Processo revela detalhes sobre tortura praticada por oito militares do Exército e dois civis contra 15 soldados durante a ditadura militar no Brasil (Fonte: Reprodução/Fiquem Sabendo)

A Fiquem Sabendo e o Instituto Vladimir Herzog (IVH) obtiveram com exclusividade a íntegra do processo militar que narra uma série de crimes cometidos por oito militares do Exército e dois civis contra 15 soldados, conforme divulgado em edição especial da newsletter Don't LAI to me, em outubro de 2022[16]. Os fatos aconteceram no quartel do 1° BIB, em Barra Mansa (RJ), no início dos anos 1970. A newsletter divulgou a íntegra do processo[17], com detalhes da sessões de tortura, documento que permaneceu inacessível por 50 anos. A primeira investigação do documento resultou na reportagem “O crime do século”, publicada pela revista piauí[18]. Segundo a cientista política Glenda Mezarobba, autora da reportagem e conselheira do instituto, "até onde se tem conhecimento, o processo n° 17/72 constitui o único caso em que militares foram condenados em última instância por graves violações de direitos humanos ocorridas durante os 21 anos de arbítrio no Brasil"[16].

"O inquérito relata que militares torturaram 15 soldados com palmatórias, canos, prensa e choques elétricos, entre outros instrumentos de suplício. O pretexto para a tortura foi uma investigação sobre o uso e tráfico de drogas (maconha) dentro no quartel. Os militares foram acusados dos seguintes crimes: homicídio qualificado, lesão grave, dano, inutilização e sonegação de material probante, ofensa aviltante a inferior e abandono de pessoa. As graves violações de direitos humanos foram perpetradas em dependências das Forças Armadas contra jovens de 19 anos, em sua maioria, e resultaram na morte de quatro deles"[16].

O processo revelado pelas organizações tem cerca de 2,3 mil páginas distribuídas em cinco volumes, com relatos de sobreviventes, testemunhas e dos próprios acusados sobre os crimes cometidos. O processo se tornou público graças a requerimento protocolado pelo diretor de advocacy e cofundador da Fiquem Sabendo Bruno Morassuti. "O fornecimento dos documentos dos processos judiciais pelo STM sem qualquer tipo de restrição nessas informações representa um exemplo importante para fins de transparência do Poder Judiciário e mostra interesse em cumprir a LAI mesmo com informações que poderiam ser consideradas sensíveis", comentou o advogado[16]. A cofundadora e diretora-executiva da FS Maria Vitória Ramos destacou a cooperação entre as duas organizações para a abertura das informações: “O IVH sabe o que é importante buscar e nós podemos contribuir encurtando o caminho do acesso a informações públicas"[16].

Veja também

Referências externas

  1. Liberdade vigiada: As relações entre a ditadura militar brasileira e o governo francês: Do golpe à anistia (Paulo César Gomes, 2019) - https://www.amazon.com.br/Liberdade-vigiada-rela%C3%A7%C3%B5es-ditadura-brasileira/dp/8501114642
  2. Para historiador, LAI muda a relação da sociedade com tudo o que é público (Fiquem Sabendo, 2019) - https://fiquemsabendo.com.br/transparencia/historiador-lei-de-acesso/
  3. Democratic Transparency Pacts on Defense: Assessing change in civilian access to military information in Brazil and Mexico (FGV, 2017) - http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/18848/Karina%20Rodrigues%20-%20Dissertation.pdf?sequence=1&isAllowed=y
  4. Transparência tarja preta (piaui, 2021) - https://piaui.folha.uol.com.br/transparencia-tarja-preta/#
  5. Sem Sigilo (Fiquem Sabendo) - https://fiquemsabendo.com.br/transparencia/projeto-sem-sigilo/
  6. Órgãos federais negam acesso a 323 documentos considerados públicos (UOL, 2019) - https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2019/06/04/governo-sigilo-documentos-liberados-publico-transparencia.htm
  7. Sigilo na LAI: onde e como obter documentos secretos (Fiquem Sabendo, 2020) - https://fiquemsabendo.com.br/transparencia/sigilo-documentos-sigilosos-dos-governos/
  8. FS anuncia parceria com MuckRock, organização especializada na Lei de Acesso à Informação americana (Fiquem Sabendo, 2019) - https://fiquemsabendo.com.br/transparencia/parceria-muckrock/
  9. A CIA e o Pelé: parceria FS e MuckRock (Fiquem Sabendo, 2019) - https://fiquemsabendo.com.br/transparencia/pele-e-a-cia/
  10. Memorando inédito da CIA: a Ditadura e a Igreja no regime Médici (Fiquem Sabendo, 2019) - https://fiquemsabendo.com.br/transparencia/documento-cia-ditadura-e-igreja/
  11. https://vladimirherzog.org/
  12. https://memoriasdaditadura.org.br/nucleo-monitora-cnv/
  13. https://drive.google.com/drive/folders/1ofcvq8ZbxwY5b0zlvDsm_i5TOT68Qk0i?usp=sharing
  14. O Cadete e o Capitão é leitura obrigatória para decifrar o Mito, diz Mario Rosa (Poder 360, 2019) - https://www.poder360.com.br/opiniao/o-cadete-e-o-capitao-e-leitura-obrigatoria-para-decifrar-o-mito-diz-mario-rosa/
  15. Denúncia documentos Conselho Nacional de Direitos Humanos (Fiquem Sabendo, 2023) - https://www.linkedin.com/posts/agenciafiquemsabendo_o-tcu-aceitou-a-nossa-den%C3%BAncia-e-determinou-activity-7072542783638560768-PCiS/?utm_source=share&utm_medium=member_android
  16. 16,0 16,1 16,2 16,3 16,4 EXCLUSIVO: Abrimos o processo dos militares condenados por tortura durante a ditadura - Don't LAI to Me (Fiquem Sabendo, 2022) - https://fiquemsabendo.substack.com/p/exclusivo-abrimos-o-processo-dos
  17. https://www.documentcloud.org/projects/ditadura-files-210010/
  18. O crime do século (piauí, 2022) - https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-crime-do-seculo/

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