Pescaria ou fishing expedition

Fonte: WikiLAI
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Órgãos públicos costumam chamar de “pescaria” o pedido ou conjunto de pedidos de informação que alcança muitos documentos ou quando a temática dos arquivos não possui uma vinculação aparente. Pode aparecer na negativa o termo em inglês fishing expedition, que é usado juridicamente para descrever uma pesquisa ampla por informações em busca de algum fato que possa incriminar uma pessoa ou instituição a qualquer custo[1].

Quando acontece

Um levantamento publicado pela Agência Pública em fevereiro de 2020 mostrou que o governo federal estava usando essa justificativa de forma cada vez mais recorrente desde que Jair Bolsonaro (sem partido) assumiu a Presidência da República: “Apenas em 2019, foram 45 pedidos de informação negados utilizando expressamente essa justificativa, mais de cinco vezes o total de negativas em 2018, durante a gestão de Michel Temer. Há registros de pedidos recusados desde 2015, porém em menor quantidade”[2].

Em entrevista à agência Fiquem Sabendo, em setembro de 2019, Marcio Cunha Filho, doutor em Direito pela UnB, auditor da Controladoria-Geral da União (CGU) e coautor do livro “Lei de Acesso à Informação: teoria e prática”[3], falou sobre perguntas que se encaixam na prática de fishing expedition: “São aquelas perguntas extremamente abrangentes que pedem acesso, por exemplo, a todos os ofícios assinados por uma determinada autoridade num período de dez ou quinze anos. Muitas vezes, o cidadão está interessado em um documento específico, mas faz essa pergunta bastante genérica, que acaba sobrecarregando os órgãos públicos e aumentando as chances de respostas negativas. Pedidos abrangentes demais demandam uma análise muito extensa de documentos, o que muitas vezes pode ser um ônus grande para os servidores públicos”[4].

Como reverter negativas

O ponto central é que essa não é uma justificativa válida para negar acesso à informação de acordo com a Lei de Acesso à Informação (LAI). À reportagem da Pública sobre o crescimento do uso dessa justificativa, a própria CGU afirmou que este “não é um critério objetivo adotado para a denegação de acesso à informação”. O órgão explicou que o termo foi utilizado em pareceres “como exemplo concreto para caracterizar situações em que um pedido poderia ser considerado desproporcional”.

Portanto, se você receber uma resposta negativa com a justificativa de “pescaria”, é possível entrar com recurso alegando que esta não é uma motivação válida pelos critérios da LAI para negar acesso a informações.

Modelo de recurso

Os argumentos abaixo foram redigidos pelo advogado Bruno Morassutti, cofundador da Fiquem Sabendo, e podem ser usados no seu recurso quando houver negativa por prática de fishing expedition:

Infelizmente, não é possível aceitar a negativa de fornecimento de informações com base no argumento de que seria uma “pescaria”.

Em primeiro lugar, deve-se deixar claro que a administração pública está obrigada a observar o princípio geral segundo o qual o acesso à informação e a transparência é a regra, sendo a restrição de acesso a informações públicas sempre uma exceção temporária e legalmente fundamentada. Nesse sentido, deve-se deixar claro que restrição de acesso baseada na suposição de que a demanda seria uma “pescaria” não encontra fundamento legal ou constitucional expresso na legislação vigente.

Assim, independentemente da quantidade de informações requeridas, caso o objeto da demanda não atinja, no caso concreto, nenhum conteúdo sujeito à restrição excepcional de acesso, ela deve ser fornecida.

Em segundo lugar, é necessário salientar que a prática realizar análises em requerimentos diversos com a finalidade de teorizar ou criar suposições sobre a finalidade ou motivação dos requerimentos é expressamente vedada pelo art. 10, §3º da Lei Federal 12,527/2011. De fato, este dispositivo legal estabelece não só vedação à exigência direta dos motivos determinantes, mas também à exigência indireta, tal como no presente caso.

Isso ocorre porque, na condição de administradores da coisa pública, todo o serviço público está submetido ao dever geral de prestar contas, tanto controle interno e controle externo, quanto ao controle  social, desempenhado diretamente pela sociedade civil. Esse dever constitucional, previsto expressamente no art. 70, parágrafo único da CF/88, é consequência lógica e democrática do dever fundamental que todo cidadão possui de pagar seus impostos.

Por certo, administrar a coisa pública não é um “cheque em branco” para a utilização de recursos públicos, mas sim uma atribuição sujeita aos limites e obrigações legais, dentre elas o de fornecer respostas a pedidos de acesso à informação.

Em terceiro lugar, havendo condições legais e técnicas de fornecimento da informação, é dever do Estado fornecê-las, pois Estados efetivamente democráticos e agentes públicos responsáveis não possuem receio de fornecer informações que não estão sujeitas à restrição excepcional de acesso, independentemente de seu conteúdo.

Em quarto lugar, ainda que não seja este o caso, deve-se reiterar que o art. 220, §1º da CF/88 é claro em afirmar que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social”. Deste modo, negar requerimentos de acesso a informações pelo simples fato de supostamente terem relação com eventual interesse jornalístico viola diretamente art. 220, §1º da CF/88.

Reitera-se: o Estado brasileiro apenas pode negar acesso a informações caso: a) não existirem condições técnicas de fornecê-la, por exigirem trabalhos adicionais de tratamento que inviabilizarão o funcionamento regular do órgão, sendo que a negativa deverá esclarecer quais são essas restrições técnicas; b) o objeto da demanda se tratar, no caso concreto, cujo acesso deve ser excepcionalmente restrito de forma temporária e fundamentada.

Fora dessas duas hipóteses, é ilegal  e inconstitucional a negativa de acesso. Ademais, é importante salientar que esse tipo de negativa - “pescaria” - diminui a confiança e desgasta a imagem institucional do órgão que a utiliza. Por certo, a falta de legitimidade desse argumento e a ausência de informações induz o cidadão comum a criar suposições sobre quais seriam as informações que o órgão se recusou a fornecer a despeito da inexistência de fundamento legal expresso.

Em quinto lugar, referências genéricas a “jurisprudência internacional” sem qualquer indicação de fonte não é fundamentação admissível no âmbito da administração pública, conforme assevera o art. 50 da Lei Federal 9.784/99.

Em sexto lugar, simples menção à “desproporcionalidade” do pedido é argumento genérico vedado pelo art. 489, §1º c/c art. 15 da Lei Federal 13.105/2015. Para que possa ser compreendido, o conceito de “desproporcionalidade” exige, como pressuposto lógico, a indicação do que seria “proporcional”. Como isso não foi feito, não há elementos o suficiente que permitam ao cidadão saber o que uma demanda precisa conter para que o órgão a entenda como sendo “proporcional”.

Diante do exposto, requisitamos que este recurso seja conhecido e provido, para fins de fornecimento das informações requeridas.

Veja também

Referências externas

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