Diferenças entre edições de "Currículos de servidores públicos"

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== Previsão legal ==
 
== Previsão legal ==
Em 2018, a [[CMRI - Comissão Mista de Reavaliação de Informações|Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI)]], que é a última instância da LAI no governo federal, decidiu que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) deveria disponibilizar o currículo de todos os seus funcionários comissionados<ref name=":0">https://fiquemsabendo.com.br/transparencia/como-obter-curriculos-de-servidores-publicos/</ref>. Com isso, se o currículo não estiver no site do órgão, você pode pedir o documento com base na LAI.  
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A publicação de currículos está prevista na Lei 14.129/2021, também chamada de Lei do Governo Digital<ref><small>LEI Nº 14.129, DE 29 DE MARÇO DE 2021 -</small> http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14129.htm</ref>, publicada com o objetivo de regulamentar princípios e regras de transparência ''"para o aumento da eficiência da administração pública, especialmente por meio da desburocratização, da inovação, da transformação digital e da participação do cidadão"''. Conforme o art. 29, um dos itens de divulgação ativa obrigatória na internet pelos órgãos públicos diz respeito aos ''"currículos dos ocupantes de cargos de chefia e direção"''.  
  
Como ocorre com a jurisprudência nos tribunais, na aplicação da LAI esse tipo de decisão também serve como baliza para novas demandas. Assim, esse precedente tem possibilitado acessar os currículos de servidores não apenas da Anvisa, mas em outros órgãos federais. Em janeiro de 2021, por exemplo, a newsletter [[Don't LAI to me|Don’t LAI to me]], da [[Fiquem Sabendo|'''Fiquem Sabendo''']], divulgou os currículos de todos os militares selecionados para atuar nas escolas cívico-militares implementadas pelo governo federal<ref>https://fiquemsabendo.substack.com/p/quem-so-e-quanto-recebem-os-servidores</ref>. Inicialmente, o Ministério da Defesa havia negado acesso alegando [[sigilo]], mas a agência recorreu, usando como referência o precedente da Anvisa.
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Em 2018, a [[CMRI - Comissão Mista de Reavaliação de Informações|Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI)]], que é a última instância da LAI no governo federal, já havia decidido que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) deveria disponibilizar o currículo de todos os seus funcionários comissionados<ref name=":0">Como obter currículos de servidores públicos – Don’t LAI to me #7 (Fiquem Sabendo, 2019) - https://fiquemsabendo.com.br/transparencia/como-obter-curriculos-de-servidores-publicos/</ref>. Como ocorre com a jurisprudência nos tribunais, na aplicação da LAI esse tipo de decisão também serve como [[precedente]] para novas demandas. Assim, esse precedente possibilitava acessar os currículos de servidores não apenas da Anvisa, mas em outros órgãos federais. Em janeiro de 2021, por exemplo, a newsletter [[Don't LAI to me|Don’t LAI to me]], da [[Fiquem Sabendo|'''Fiquem Sabendo''']], divulgou os currículos de todos os militares selecionados para atuar nas escolas cívico-militares implementadas pelo governo federal<ref>Quem são e quanto recebem os servidores militares que atuam nas escolas cívico-militares - Don't LAI to Me #48 (Fiquem Sabendo, 2021) - https://fiquemsabendo.substack.com/p/quem-so-e-quanto-recebem-os-servidores</ref>. Inicialmente, o Ministério da Defesa havia negado acesso alegando [[sigilo]], mas a agência recorreu, usando como referência o precedente da Anvisa.  
  
== Como evitar negativas ==
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== Casos concretos ==
Ao solicitar acesso ao currículo de servidores do governo federal, você pode citar o número da decisão da CMRI (00131.000102/2018-77)<ref name=":0" /> como precedente ao [[Pedido de informação|pedido]] ou ao [[recurso]], caso o pedido tenha sido negado em primeira instância. Nos Estados e municípios, assim como no judiciário, usar essa mesma decisão como referência é uma tentativa, porém ficará a critério do órgão considerar ou não o precedente válido, visto que cada esfera do poder e cada ente público têm sua própria regulamentação da LAI.
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Informações inverídicas publicadas no currículo do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que afirmava ser mestre em Direito Público pela Universidade de Yale, nos Estados Unidos, considerada uma das dez melhores do mundo, foram reveladas pelo The Intercept Brasil<ref>Quem inventou a mentira de que o ministro Ricardo Salles estudou em Yale? (The Intercept Brasil, 2019) - https://theintercept.com/2019/02/23/ricardo-salles-yale-mentira/</ref>, em 2019. A informação presente no currículo publicado no site do órgão foi contestada pela reportagem junto à universidade, que informou não haver qualquer registro de que Salles tenha estudado lá.
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Situação parecida vivenciou Carlos Decotelli, nomeado para o Ministério da Educação em 26 de junho de 2020 e dispensado do cargo três dias depois, devido à repercussão das mentiras que ele expunha no currículo Lattes. A titulação como doutor em Administração pela Universidade Nacional de Rosário (UNR), na Argentina, e o pós-doutorado na Universidade de Wuppertal, na Alemanha, foram desmentidos pelas instituições, conforme checagem da Agência Lupa<ref>Nem doutorado, nem pós-doutorado (Lupa, 2020) - https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2020/06/26/decotelli-curriculo-reitor/</ref>. Para completar, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) abriu investigação por plágio na dissertação de mestrado defendida por Decotelli em 2008, conforme publicou o G1<ref>Entenda as polêmicas sobre os títulos acadêmicos do novo ministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli (G1, 2020) - https://g1.globo.com/educacao/noticia/2020/06/29/entenda-as-polemicas-sobre-os-titulos-academicos-do-novo-ministro-da-educacao-carlos-alberto-decotelli.ghtml</ref>.
  
Outra dica da Fiquem Sabendo é pedir acesso aos currículos de uma só pessoa ou de um grupo pequeno de servidores<ref name=":0" />. Se você pedir o currículo de “todos” os servidores e o órgão tiver um número elevado de funcionários, o acesso pode ser negado alegando [[trabalho adicional]], principalmente se os currículos não estiverem digitalizados. Mas lembre-se que é obrigação do órgão demonstrar como os procedimentos para a produção da informação impactam suas atividades rotineiras de forma negativa<ref>https://www.gov.br/acessoainformacao/pt-br/central-de-conteudo/publicacoes/arquivos/aplicacao_lai_2edicao.pdf</ref>.
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Uma dica para investigar conflitos de interesse em caso de funcionários, principalmente aqueles que são nomeados para cargos de chefia sem passar por concurso público, é procurar o perfil no LinkedIn para descobrir possíveis vínculos anteriores com empresas de setores ligados ao setor público de atuação daquele órgão. Por exemplo: se uma pessoa nomeada para assumir um cargo em uma agência reguladora do setor de mineração antes atuava em uma grande mineradora, você pode apurar se há favorecimento dessa empresa em contratos, licitações, licenciamentos e outros processos. Essa é uma forma de investigar indícios de influência do setor empresarial em políticas públicas.
  
Caso o órgão alegue [[sigilo]] porque os currículos contêm dados pessoais dos servidores como número de telefone, endereço residencial e e-mail, você pode argumentar que tarjar informações sensíveis antes do envio da documentação é uma possibilidade de garantir a proteção de dados pessoais sem prejudicar o interesse público. Está previsto no Art. 7 “§ 2º da LAI: ''“Quando não for autorizado acesso integral à informação por ser ela parcialmente sigilosa, é assegurado o acesso à parte não sigilosa por meio de certidão, extrato ou cópia com ocultação da parte sob sigilo”''.
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== Extratos funcionais de militares ==
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Na edição 92<ref>Abrimos o currículo dos militares que fiscalizaram as urnas eletrônicas - Don't LAI to Me # 92 (Fiquem Sabendo, 2022) - https://fiquemsabendo.substack.com/p/abrimos-o-curriculo-dos-militares</ref> da newsletter [[Don't LAI to me]], a Fiquem Sabendo disponibilizou os extratos funcionais<ref name=":1">Extratos funcionais militares fiscalização urnas (Ministério da Defesa, 2022) - https://drive.google.com/drive/folders/16ZGAlr1N7xvzMiy_H6unkRKMoZG_No0_?usp=share_link</ref> dos militares da ativa do Exército, Marinha e Aeronáutica que foram escalados pelo general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, ministro da Defesa, para participarem das atividades de fiscalização das eleições em 2022. ''"O extrato do histórico funcional é um resumo do prontuário dos militares, contendo o posto, cursos realizados, cargos e funções exercidas, promoções e condecorações. Ficam excluídos do extrato informações referentes a [[Servidores públicos expulsos|processos disciplinares]], por exemplo"'', explica a publicação.  
  
 
== Fraudes no Lattes ==
 
== Fraudes no Lattes ==
 
Professores universitários e outros profissionais com níveis mais altos de formação acadêmica, como mestrado e doutorado, devem manter suas informações de qualificação atualizadas na plataforma Lattes<ref>http://lattes.cnpq.br/</ref>. Esse sistema é mantido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), e serve como parâmetro para pontuar candidatos em concursos públicos e orientar políticas públicas de incentivo à pesquisa no Brasil.
 
Professores universitários e outros profissionais com níveis mais altos de formação acadêmica, como mestrado e doutorado, devem manter suas informações de qualificação atualizadas na plataforma Lattes<ref>http://lattes.cnpq.br/</ref>. Esse sistema é mantido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), e serve como parâmetro para pontuar candidatos em concursos públicos e orientar políticas públicas de incentivo à pesquisa no Brasil.
  
A atualização do Lattes é autodeclaratória, ou seja, o próprio pesquisador descreve sua formação e atuação profissional, o que abre margem para inconsistências. Aconteceu com Carlos Decotelli, nomeado ministro da Educação de Jair Bolsonaro (sem partido) em junho de 2020<ref>https://g1.globo.com/educacao/noticia/2020/06/29/entenda-as-polemicas-sobre-os-titulos-academicos-do-novo-ministro-da-educacao-carlos-alberto-decotelli.ghtml</ref>. Ele ficou apenas cinco dias no cargo porque a imprensa revelou fraudes no currículo do oficial da reserva: doutorado na Argentina e pós-doutorado na Alemanha foram negados por instituições de ensino, sem contar a acusação de plágio na dissertação de mestrado na Fundação Getúlio Vargas (FGV), que constava como uma titulação concluída no currículo.
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A atualização do Lattes é autodeclaratória, ou seja, o próprio pesquisador descreve sua formação e atuação profissional, o que abre margem para inconsistências, como no caso de Carlos Decotelli. Ainda que os dados sejam preenchidos pelo dono do currículo, a Plataforma Lattes possui uma série de regras para a atualização, e a política do site<ref>https://wwws.cnpq.br/cvlattesweb/pkg_cv_estr.termo</ref> deixa claro que o preenchimento falso pode resultar em suspensão ou exclusão do currículo. Após o episódio com Decotelli, a [[Fiquem Sabendo|'''Fiquem Sabendo''']] solicitou ao CNPq dados sobre eventuais punições<ref>Exagerou o currículo para ocupar cargo. Quem investiga? - Don’t LAI to Me # 39 (Fiquem Sabendo, 2020) - https://fiquemsabendo.substack.com/p/exagerou-o-currculo-para-ocupar-cargo</ref>: entre 2008 e 2017, a Comissão de Gestão da Plataforma Lattes recebeu 142 denúncias envolvendo informações falsas/fraudes no currículo. Dessas, 25 resultaram na suspensão do currículo e oito na exclusão total. A Fiquem Sabendo também questionou diretamente universidades federais sobre sindicâncias para investigar fraudes no currículo de professores e servidores.
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== Como evitar negativas ==
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Ao solicitar acesso ao currículo de servidores do governo federal, você pode citar a legislação no [[Pedido de informação|pedido]] ou [[recurso]], caso o pedido tenha sido negado em primeira instância. Outra dica da '''[[Fiquem Sabendo]]''' é pedir acesso aos currículos de uma só pessoa ou de um grupo pequeno de servidores<ref name=":0" />. Se você pedir o currículo de “todos” os servidores e o órgão tiver um número elevado de funcionários, o acesso pode ser negado alegando [[trabalho adicional]], principalmente se os currículos não estiverem digitalizados. Mas lembre-se que é obrigação do órgão demonstrar como os procedimentos para a produção da informação impactam suas atividades rotineiras de forma negativa<ref>Aplicação da Lei de Acesso à Informação na Administração Pública Federal (CGU, 2016) - https://www.gov.br/acessoainformacao/pt-br/central-de-conteudo/publicacoes/arquivos/aplicacao_lai_2edicao.pdf</ref>.
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Caso o órgão alegue [[sigilo]] porque os currículos contêm dados pessoais dos servidores como número de telefone, endereço residencial e e-mail, você pode argumentar que tarjar informações sensíveis antes do envio da documentação é uma possibilidade de garantir a proteção de dados pessoais sem prejudicar o interesse público. Está previsto no Art. 7 “§ 2º da LAI: ''“Quando não for autorizado acesso integral à informação por ser ela parcialmente sigilosa, é assegurado o acesso à parte não sigilosa por meio de certidão, extrato ou cópia com ocultação da parte sob sigilo”''.
  
Ainda que os dados sejam preenchidos pelo dono do currículo, a Plataforma Lattes possui uma série de regras para a atualização, e a política do site<ref>https://wwws.cnpq.br/cvlattesweb/pkg_cv_estr.termo</ref> deixa claro que o preenchimento falso pode resultar em suspensão ou exclusão do currículo. Após o episódio com Decotelli, a [[Fiquem Sabendo]] solicitou ao CNPq dados sobre eventuais punições<ref>https://fiquemsabendo.substack.com/p/exagerou-o-currculo-para-ocupar-cargo</ref>: entre 2008 e 2017, a Comissão de Gestão da Plataforma Lattes recebeu 142 denúncias envolvendo informações falsas/fraudes no currículo. Dessas, 25 resultaram na suspensão do currículo e oito na exclusão total. A Fiquem Sabendo também questionou diretamente universidades federais sobre sindicâncias para investigar fraudes no currículo de professores e servidores.
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No caso de extratos funcionais de militares, os [[Recurso|recursos]] ganhos pela Fiquem Sabendo servem de [[precedente]] para novos pedidos endereçados às Forças Armadas. Você pode anexar a decisão<ref name=":1" /> ao seu pedido ou recurso.  
  
 
== Modelo de pedido ==
 
== Modelo de pedido ==
''Solicito acesso ao inteiro teor dos currículos de servidores públicos lotados no [nome do setor/departamento] do [nome do órgão]. A transparência de currículos de servidores é assegurada conforme Decisão nº 298/2018 da Comissão Mista de Reavaliação de Informações da Casa Civil da Presidência da República em pedido semelhante (00131.000102/2018-77). Destaca-se que informações como telefones e endereços eventualmente presentes nos currículos podem ser tarjados, garantindo o sigilo de dados pessoais sem prejuízo a informações de interesse público.''
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''Solicito acesso ao inteiro teor dos currículos de servidores públicos lotados no [nome do setor/departamento] do [nome do órgão]. A transparência de currículos de ocupantes de cargos de chefia e direção é assegurada pela Lei 14.129/2021 (Lei do Governo Digital). Destaca-se que informações como telefones e endereços eventualmente presentes nos currículos podem ser tarjados, garantindo o sigilo de dados pessoais sem prejuízo a informações de interesse público.''
  
 
== Veja também ==
 
== Veja também ==

Edição atual desde as 17h47min de 6 de dezembro de 2022

Detalhes do currículo de servidores, principalmente de nomeados para cargos comissionados, além de ministros e secretários de governo, podem revelar diversas situações que prejudicam a boa prestação do serviço público. Desde conflitos de interesse por vinculação a instituições que poderiam obter alguma vantagem ou promover lobby junto ao órgão público em questão, até o despreparo de nomeados, por não terem domínio sobre a área em que irão trabalhar, ou ainda informações inverídicas sobre a qualificação do nomeado.

Previsão legal

A publicação de currículos está prevista na Lei 14.129/2021, também chamada de Lei do Governo Digital[1], publicada com o objetivo de regulamentar princípios e regras de transparência "para o aumento da eficiência da administração pública, especialmente por meio da desburocratização, da inovação, da transformação digital e da participação do cidadão". Conforme o art. 29, um dos itens de divulgação ativa obrigatória na internet pelos órgãos públicos diz respeito aos "currículos dos ocupantes de cargos de chefia e direção".

Em 2018, a Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI), que é a última instância da LAI no governo federal, já havia decidido que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) deveria disponibilizar o currículo de todos os seus funcionários comissionados[2]. Como ocorre com a jurisprudência nos tribunais, na aplicação da LAI esse tipo de decisão também serve como precedente para novas demandas. Assim, esse precedente possibilitava acessar os currículos de servidores não apenas da Anvisa, mas em outros órgãos federais. Em janeiro de 2021, por exemplo, a newsletter Don’t LAI to me, da Fiquem Sabendo, divulgou os currículos de todos os militares selecionados para atuar nas escolas cívico-militares implementadas pelo governo federal[3]. Inicialmente, o Ministério da Defesa havia negado acesso alegando sigilo, mas a agência recorreu, usando como referência o precedente da Anvisa.

Casos concretos

Informações inverídicas publicadas no currículo do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que afirmava ser mestre em Direito Público pela Universidade de Yale, nos Estados Unidos, considerada uma das dez melhores do mundo, foram reveladas pelo The Intercept Brasil[4], em 2019. A informação presente no currículo publicado no site do órgão foi contestada pela reportagem junto à universidade, que informou não haver qualquer registro de que Salles tenha estudado lá.

Situação parecida vivenciou Carlos Decotelli, nomeado para o Ministério da Educação em 26 de junho de 2020 e dispensado do cargo três dias depois, devido à repercussão das mentiras que ele expunha no currículo Lattes. A titulação como doutor em Administração pela Universidade Nacional de Rosário (UNR), na Argentina, e o pós-doutorado na Universidade de Wuppertal, na Alemanha, foram desmentidos pelas instituições, conforme checagem da Agência Lupa[5]. Para completar, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) abriu investigação por plágio na dissertação de mestrado defendida por Decotelli em 2008, conforme publicou o G1[6].

Uma dica para investigar conflitos de interesse em caso de funcionários, principalmente aqueles que são nomeados para cargos de chefia sem passar por concurso público, é procurar o perfil no LinkedIn para descobrir possíveis vínculos anteriores com empresas de setores ligados ao setor público de atuação daquele órgão. Por exemplo: se uma pessoa nomeada para assumir um cargo em uma agência reguladora do setor de mineração antes atuava em uma grande mineradora, você pode apurar se há favorecimento dessa empresa em contratos, licitações, licenciamentos e outros processos. Essa é uma forma de investigar indícios de influência do setor empresarial em políticas públicas.

Extratos funcionais de militares

Na edição 92[7] da newsletter Don't LAI to me, a Fiquem Sabendo disponibilizou os extratos funcionais[8] dos militares da ativa do Exército, Marinha e Aeronáutica que foram escalados pelo general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, ministro da Defesa, para participarem das atividades de fiscalização das eleições em 2022. "O extrato do histórico funcional é um resumo do prontuário dos militares, contendo o posto, cursos realizados, cargos e funções exercidas, promoções e condecorações. Ficam excluídos do extrato informações referentes a processos disciplinares, por exemplo", explica a publicação.

Fraudes no Lattes

Professores universitários e outros profissionais com níveis mais altos de formação acadêmica, como mestrado e doutorado, devem manter suas informações de qualificação atualizadas na plataforma Lattes[9]. Esse sistema é mantido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), e serve como parâmetro para pontuar candidatos em concursos públicos e orientar políticas públicas de incentivo à pesquisa no Brasil.

A atualização do Lattes é autodeclaratória, ou seja, o próprio pesquisador descreve sua formação e atuação profissional, o que abre margem para inconsistências, como no caso de Carlos Decotelli. Ainda que os dados sejam preenchidos pelo dono do currículo, a Plataforma Lattes possui uma série de regras para a atualização, e a política do site[10] deixa claro que o preenchimento falso pode resultar em suspensão ou exclusão do currículo. Após o episódio com Decotelli, a Fiquem Sabendo solicitou ao CNPq dados sobre eventuais punições[11]: entre 2008 e 2017, a Comissão de Gestão da Plataforma Lattes recebeu 142 denúncias envolvendo informações falsas/fraudes no currículo. Dessas, 25 resultaram na suspensão do currículo e oito na exclusão total. A Fiquem Sabendo também questionou diretamente universidades federais sobre sindicâncias para investigar fraudes no currículo de professores e servidores.

Como evitar negativas

Ao solicitar acesso ao currículo de servidores do governo federal, você pode citar a legislação no pedido ou recurso, caso o pedido tenha sido negado em primeira instância. Outra dica da Fiquem Sabendo é pedir acesso aos currículos de uma só pessoa ou de um grupo pequeno de servidores[2]. Se você pedir o currículo de “todos” os servidores e o órgão tiver um número elevado de funcionários, o acesso pode ser negado alegando trabalho adicional, principalmente se os currículos não estiverem digitalizados. Mas lembre-se que é obrigação do órgão demonstrar como os procedimentos para a produção da informação impactam suas atividades rotineiras de forma negativa[12].

Caso o órgão alegue sigilo porque os currículos contêm dados pessoais dos servidores como número de telefone, endereço residencial e e-mail, você pode argumentar que tarjar informações sensíveis antes do envio da documentação é uma possibilidade de garantir a proteção de dados pessoais sem prejudicar o interesse público. Está previsto no Art. 7 “§ 2º da LAI: “Quando não for autorizado acesso integral à informação por ser ela parcialmente sigilosa, é assegurado o acesso à parte não sigilosa por meio de certidão, extrato ou cópia com ocultação da parte sob sigilo”.

No caso de extratos funcionais de militares, os recursos ganhos pela Fiquem Sabendo servem de precedente para novos pedidos endereçados às Forças Armadas. Você pode anexar a decisão[8] ao seu pedido ou recurso.

Modelo de pedido

Solicito acesso ao inteiro teor dos currículos de servidores públicos lotados no [nome do setor/departamento] do [nome do órgão]. A transparência de currículos de ocupantes de cargos de chefia e direção é assegurada pela Lei 14.129/2021 (Lei do Governo Digital). Destaca-se que informações como telefones e endereços eventualmente presentes nos currículos podem ser tarjados, garantindo o sigilo de dados pessoais sem prejuízo a informações de interesse público.

Veja também

Referências externas

  1. LEI Nº 14.129, DE 29 DE MARÇO DE 2021 - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14129.htm
  2. 2,0 2,1 Como obter currículos de servidores públicos – Don’t LAI to me #7 (Fiquem Sabendo, 2019) - https://fiquemsabendo.com.br/transparencia/como-obter-curriculos-de-servidores-publicos/
  3. Quem são e quanto recebem os servidores militares que atuam nas escolas cívico-militares - Don't LAI to Me #48 (Fiquem Sabendo, 2021) - https://fiquemsabendo.substack.com/p/quem-so-e-quanto-recebem-os-servidores
  4. Quem inventou a mentira de que o ministro Ricardo Salles estudou em Yale? (The Intercept Brasil, 2019) - https://theintercept.com/2019/02/23/ricardo-salles-yale-mentira/
  5. Nem doutorado, nem pós-doutorado (Lupa, 2020) - https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2020/06/26/decotelli-curriculo-reitor/
  6. Entenda as polêmicas sobre os títulos acadêmicos do novo ministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli (G1, 2020) - https://g1.globo.com/educacao/noticia/2020/06/29/entenda-as-polemicas-sobre-os-titulos-academicos-do-novo-ministro-da-educacao-carlos-alberto-decotelli.ghtml
  7. Abrimos o currículo dos militares que fiscalizaram as urnas eletrônicas - Don't LAI to Me # 92 (Fiquem Sabendo, 2022) - https://fiquemsabendo.substack.com/p/abrimos-o-curriculo-dos-militares
  8. 8,0 8,1 Extratos funcionais militares fiscalização urnas (Ministério da Defesa, 2022) - https://drive.google.com/drive/folders/16ZGAlr1N7xvzMiy_H6unkRKMoZG_No0_?usp=share_link
  9. http://lattes.cnpq.br/
  10. https://wwws.cnpq.br/cvlattesweb/pkg_cv_estr.termo
  11. Exagerou o currículo para ocupar cargo. Quem investiga? - Don’t LAI to Me # 39 (Fiquem Sabendo, 2020) - https://fiquemsabendo.substack.com/p/exagerou-o-currculo-para-ocupar-cargo
  12. Aplicação da Lei de Acesso à Informação na Administração Pública Federal (CGU, 2016) - https://www.gov.br/acessoainformacao/pt-br/central-de-conteudo/publicacoes/arquivos/aplicacao_lai_2edicao.pdf

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