LAI no Governo Federal
A lei federal 12.527/2011, ou Lei de Acesso à Informação (LAI), foi sancionada em 18 de novembro de 2011 pela então presidente Dilma Rousseff (PT) com prazo de 180 dias para entrar em vigor. Dessa forma, a validade das regras passou a contar em 16 de maio de 2012 em todo o território nacional, para os três poderes - Executivo, Legislativo e Judiciário - e nas três esferas federativas - governo federal, Estados e municípios.
Apesar de ser a diretriz de referência para todos os órgãos públicos do país, a implementação da LAI depende de regulamentações próprias, que variam em cada uma dessas instâncias do poder. No caso do governo federal, é o Decreto 7.724/2012[1] que regulamenta como será implementada a prestação de informações aos cidadãos por parte dos órgãos federais.
Quem deve atender
Devem cumprir a LAI no governo federal todos os órgãos da administração direta (ex.: ministérios e secretarias), as autarquias (ex.: Anvisa, Ibama)[2], as fundações públicas (ex.: Funai, Funarte), as empresas públicas (ex.: Caixa, Correios), as sociedades de economia mista (ex.: Banco do Brasil) e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União.
No caso de empresas públicas, sociedades de economia mista e demais entidades que atuem em regime de concorrência, há exceções previstas no art. 173 da Constituição[3], a fim de assegurar a competitividade no mercado e os interesses de acionistas.
Como acessar
O decreto assegura que os órgãos e as entidades do poder Executivo federal “assegurarão, às pessoas naturais e jurídicas, o direito de acesso à informação, que será proporcionado mediante procedimentos objetivos e ágeis, de forma transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão”. Para isso, os órgãos devem dispor de um Serviço de Informação ao Cidadão (SIC), com a possibilidade de registros de pedidos de informação por meio eletrônico ou físico (papel). Atualmente, o sistema eletrônico utilizado pelo governo federal em todas as unidades que devem cumprir a LAI é o FalaBR.
O cadastro no sistema é gratuito e garante aos cidadãos a possibilidade de fazer o pedido de forma anônima, evitando eventuais constrangimentos que possam decorrer de suas demandas. Ainda que a impessoalidade esteja expressa na Constituição de modo a garantir que todos os cidadãos sejam tratados da mesma forma, o registro de pedidos anônimos podem ser úteis para pessoas politicamente expostas ou mesmo jornalistas manterem seus dados resguardados em suas demandas ao poder público. Outra opção é usar o serviço Queremos Saber[4], da Open Knowledge Brasil, que registra pedidos preservando a identidade do interessado e repassa os dados após a resposta.
A tramitação se dá em até quatro instâncias. Na primeira delas, o cidadão deve ser atendido em até 20 dias corridos, prorrogáveis por mais 10 dias, mediante justificativa. Nessa instância, é o chefe hierárquico do setor responsável pela demanda que atende ao pedido. Se for necessário recorrer, o cidadão tem prazo de 10 dias para apresentar a reclamação no sistema, e o órgão deve se manifestar em cinco dias. No segundo grau, a autoridade máxima do órgão é responsável pela resposta.
Se ainda assim a resposta não for satisfatória, o terceiro nível de recurso corre na Controladoria-Geral da União (CGU). Como órgão responsável pelo controle interno do cumprimento da LAI no governo federal, além de decidir tecnicamente sobre a validade de um recurso e orientar o órgão demandado a conceder ou não acesso ao que foi pedido, a CGU também cria precedentes, como são chamadas as decisões que servem de parâmetro para estabelecer regras em casos futuros. Existe, inclusive, um sistema de consulta a precedentes[5] no governo federal. A CGU não tem prazo limite para julgar um recurso, muitas vezes isso pode demorar alguns meses.
O último nível de recurso no governo federal é a Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI), órgão colegiado que conta com representantes de vários ministérios para analisar situações em que o cidadão insiste no recurso. A exemplo da CGU, a CMRI também pode estabelecer precedentes.
Quando uma solicitação não é atendida mesmo após recurso à CMRI ou há outro tipo de descumprimento da LAI no governo federal, é possível denunciar a situação ao Ministério Público Federal (MPF) ou ao Tribunal de Contas da União (TCU).
Transparência ativa
O decreto federal 7.724/2012 também estabelece exatamente quais os itens que devem ser informados ativamente nos sites dos órgãos federais para o cumprimento das normas de transparência ativa previstas na LAI:
“I - estrutura organizacional, competências, legislação aplicável, principais cargos e seus ocupantes, endereço e telefones das unidades, horários de atendimento ao público;
II - programas, projetos, ações, obras e atividades, com indicação da unidade responsável, principais metas e resultados e, quando existentes, indicadores de resultado e impacto;
III - repasses ou transferências de recursos financeiros;
IV - execução orçamentária e financeira detalhada;
V - licitações realizadas e em andamento, com editais, anexos e resultados, além dos contratos firmados e notas de empenho emitidas;
VI - remuneração e subsídio recebidos por ocupante de cargo, posto, graduação, função e emprego público, incluídos os auxílios, as ajudas de custo, os jetons e outras vantagens pecuniárias, além dos proventos de aposentadoria e das pensões daqueles servidores e empregados públicos que estiverem na ativa, de maneira individualizada, conforme estabelecido em ato do Ministro de Estado da Economia; (Redação dada pelo Decreto nº 9.690, de 2019);
VII - respostas a perguntas mais frequentes da sociedade; e VIII - contato da autoridade de monitoramento, designada nos termos do art. 40 da Lei nº 12.527, de 2011 , e telefone e correio eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão - SIC; e (Redação dada pelo Decreto nº 8.408, de 2015)”.
Existe um Guia de Transparência Ativa (GAT)[6] elaborado pela CGU de forma a esclarecer como e quais informações devem ser apresentadas ativamente nos sites do governo federal. Além dos parâmetros da LAI, também estão incluídas no guia orientações para o cumprimento da Política de Dados Abertos, que foi criada em 2016 para promover acesso a informações públicas em formato aberto (csv e similares) de modo a possibilitar análises mais abrangentes e automatizadas sobre as políticas públicas e atos de governo.
Além dos sites institucionais de cada órgão público, existem portais que reúnem dados do governo federal para livre acesso por transparência ativa, como é o caso do Portal da Transparência e do Portal Brasileiro de Dados Abertos.
Informações classificadas
Também é pelo decreto que regulamenta a LAI no governo federal que ficam estabelecidos os procedimentos para a classificação de informações sob restrição de acesso, observados grau e prazo de sigilo. O art. 25 do decreto reitera o art. 23 da LAI ao estabelecer que: “São passíveis de classificação as informações consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado, cuja divulgação ou acesso irrestrito possam: I - pôr em risco a defesa e a soberania nacionais ou a integridade do território nacional; II - prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações ou as relações internacionais do País; III - prejudicar ou pôr em risco informações fornecidas em caráter sigiloso por outros Estados e organismos internacionais; IV - pôr em risco a vida, a segurança ou a saúde da população; V - oferecer elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou monetária do País; VI - prejudicar ou causar risco a planos ou operações estratégicos das Forças Armadas; VII - prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico, assim como a sistemas, bens, instalações ou áreas de interesse estratégico nacional, observado o disposto no inciso II do caput do art. 6º ; VIII - pôr em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares; ou IX - comprometer atividades de inteligência, de investigação ou de fiscalização em andamento, relacionadas com prevenção ou repressão de infrações”.
Os níveis de classificação previstos na LAI são de cinco anos (grau reservado), 15 anos (classificação secreta) ou 25 anos (classificação ultrassecreta). Em 2020, havia mais de 100 mil documentos sob sigilo no governo federal, segundo levantamento da Fiquem Sabendo[7].
Apenas algumas autoridades podem exercer a classificação de documentos, No caso do governo federal, conforme o art. 30 do decreto que regulamenta a LAI, no grau ultrassecreto (25 anos), somente estão autorizados o presidente e o vice-presidente da República, ministros de Estado e autoridades com as mesmas prerrogativas (secretários com status de ministros, por exemplo), comandantes da Marinha, do Exército, da Aeronáutica e chefes de Missões Diplomáticas e Consulares permanentes no exterior. No grau secreto (15 anos), também titulares de autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista podem classificar documento. No grau reservado (5 anos), são autorizados também servidores que exerçam funções de direção, comando ou chefia em níveis específicos.
A decisão de classificar uma informação em qualquer grau de sigilo deverá ser formalizada no Termo de Classificação de Informação (TCI), informando o código de indexação de documento, o grau de sigilo, a categoria na qual se enquadra a informação, o tipo de documento, a data da produção do documento, a indicação de dispositivo legal que fundamenta a classificação, razões da classificação, o prazo de sigilo, a data da classificação, e a identificação da autoridade que classificou a informação. Expirado o prazo do sigilo, o documento é considerado público, podendo ser acessado mediante solicitação.
É obrigatório, de acordo com o Guia de Transparência Ativa da CGU, que os órgãos publiquem ativamente a lista de informações classificadas e desclassificadas em seus sites. A Fiquem Sabendo mobiliza voluntários no país inteiro desde 2019 para promover a abertura de documentos desclassificados no governo federal, protocolando pedidos de informação, através do projeto Sem Sigilo[8].
Dados pessoais
É garantido pela LAI em seu art. 31 § 1º, que as informações pessoais, relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem: “I - terão seu acesso restrito, independentemente de classificação de sigilo e pelo prazo máximo de 100 (cem) anos a contar da sua data de produção, a agentes públicos legalmente autorizados e à pessoa a que elas se referirem; e II - poderão ter autorizada sua divulgação ou acesso por terceiros diante de previsão legal ou consentimento expresso da pessoa a que elas se referirem”.
No § 3º do mesmo artigo, a LAI estabelece que o consentimento referido no inciso II do § 1º não será exigido quando as informações forem necessárias: “I - à prevenção e diagnóstico médico, quando a pessoa estiver física ou legalmente incapaz, e para utilização única e exclusivamente para o tratamento médico; II - à realização de estatísticas e pesquisas científicas de evidente interesse público ou geral, previstos em lei, sendo vedada a identificação da pessoa a que as informações se referirem; III - ao cumprimento de ordem judicial; IV - à defesa de direitos humanos; ou V - à proteção do interesse público e geral preponderante”.
Ainda, o § 4º do mesmo artigo garante que “a restrição de acesso à informação relativa à vida privada, honra e imagem de pessoa não poderá ser invocada com o intuito de prejudicar processo de apuração de irregularidades em que o titular das informações estiver envolvido, bem como em ações voltadas para a recuperação de fatos históricos de maior relevância”.
Dessa forma, a norma busca garantir que o interesse público seja soberano, especialmente nas questões referidas no parágrafo terceiro, que versam sobre a realização de pesquisas e estatísticas, cumprimento de ordens judiciais ou defesa dos direitos humanos. No entanto, após a publicação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que regulamenta os procedimentos para tratamento de informação pessoal em complemento à LAI, tem se verificado entendimentos controversos no governo federal.
Um exemplo foi a recusa a um pedido sobre informações referentes a trabalho escravo, informação que costumava ser concedida periodicamente. Segundo apurou a agência Fiquem Sabendo, o Ministério da Economia citou a LGPD como justificativa para ter “mudado o entendimento” sobre a liberação dos dados[9].
Também ocorreram, durante o governo Bolsonaro, situações em que a prerrogativa de resguardo de informação pessoal por 100 anos foram utilizadas de forma abusiva. Um exemplo foi a restrição de acesso a processo do Exército sobre a participação do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello em ato político[10], que depois foi revertida pela CGU[11]. Outro caso foi com os registros de entrada dos filhos do presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto[12].
Veja também
Referências externas
- ↑ http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/Decreto/D7724.htm
- ↑ https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_autarquias_federais_do_Brasil
- ↑ https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_18.02.2016/art_173_.asp
- ↑ https://ok.org.br/projetos/queremos-saber/
- ↑ http://buscaprecedentes.cgu.gov.br/busca/SitePages/principal.aspx
- ↑ https://www.gov.br/acessoainformacao/pt-br/lai-para-sic/guias-e-orientacoes/gta-6a-versao-2019.pdf
- ↑ https://fiquemsabendo.com.br/transparencia/sigilo-documentos-sigilosos-dos-governos/
- ↑ https://fiquemsabendo.com.br/transparencia/projeto-sem-sigilo/
- ↑ https://fiquemsabendo.com.br/transparencia/governo-usa-lgpd-para-fechar-acesso-a-relatorios-de-trabalho-escravo/
- ↑ https://oglobo.globo.com/brasil/exercito-impoe-100-anos-de-sigilo-para-processo-administrativo-de-pazuello-1-25050551?
- ↑ https://oglobo.globo.com/politica/100-anos-de-sigilo-cgu-ignora-parecer-determina-que-exercito-divulgue-apenas-extrato-de-processo-envolvendo-pazuello-25168009
- ↑ https://crusoe.com.br/diario/governo-impoe-sigilo-de-100-anos-sobre-cracha-de-carluxo/
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